quarta-feira, 27 de agosto de 2014

*Excluo deste texto reflectivo casos extremos. Este é um texto dedicado resultante da observação de família ditas "normais"

Conheço muitas pessoas que têm filhos. Acerca disto acho que os filhos são um Bem. E tal como os bens transaccionáveis os filhos são um bem mal distribuído, por assim dizer.
Pessoas que deveriam ter filhos não os têm - e que ricos seriam esses filhos se esses pais assim quisessem ou pudessem ser. 
Pessoas que não estão minimamente talhadas para a parentalidade têm-nos. Mas é assim a vida. Tudo o que é Bem está mal distribuído. A maioria da Riqueza concentra-se nas mãos  - neste caso corações - errados.

A maioria das pessoas que conheço nunca deveria ter tido filhos. Olho para muitas dessas pessoas e penso que mal fizeram os seus filhos para que aqueles pais tivessem querido ser pais alguma vez na vida. Assumindo que o quiseram ser. Assumindo que sempre desejaram ter um filho. Ou dois ou até três. Assumindo que não foi por nenhum tipo de preconceito social ou familiar - ah, casámos, agora TEMOS que ter um filho.

A maioria das pessoas que conheço trazem um filho ao mundo esquecendo-se que um filho é uma pessoa. Nasce bebé e dependente e rapidamente cresce e absorve tudo quanto é estímulo: bom ou mau. Absorve tudo porque, sendo bebé, é uma pessoa sem experiência, sem conhecimentos suficientes para uma triagem. Cabe aos pais fazerem essa triagem. Mas (mas!) "pobres" pais, sempre tão cansados,  sempre tão estafadinhos, sempre tão fartinhos, acham que dá muito trabalho. Encostam-se. E ser Pai é nunca se encostar. É estar sempre alerta. É ser o filtro que a criança em que o bebé se transformou ainda não sabe ser. 

É uma benção para a vida isto de ser Pai. É a maior benção.

Mas a maioria das pessoas que conheço que têm filhos não são Pais. Vencem-se pelo cansaço. Trocam de papel com os filhos e acabam eles a ser educados pelos filhos em vez de os educarem. Dizem coisas como "venceste-me pelo cansaço" ou "eu bem tento mas ele(a) não me liga nenhuma".

«Eu bem tento».

E eu fico a pensar: bem tentas o quê? O que é que estás a tentar fazer sequer, sabes? Tens um plano? - ainda que nunca se siga o plano "A" em nada, mas há um alfabeto inteiro de planos e jogos de cintura para usar nas horas "H".

Um Pai que diz "não sei o que fazer dele" - tendo um filho sem problemas físicos, cognitivos, genéticos ou de outra ordem, ou seja, saudável, é por si só um pai que tem problemas graves. 

É verdade que exige o máximo de nós. É verdade que não há nada mais gratificante.

Eu ainda vou na fase do "mãe, adoro-te até ao universo", "mãe, és linda" e o que mais quero é que essa voz doce de 3 anos fique gravada sempre na minha memória para eu ouvir sempre que precise de alento.
É verdade que falar é fácil e que o pior ainda está para vir.

Por isso também é verdade que quando alguém põe um filho no mundo não se esqueça que está a pôr uma pessoa em potência no mundo e não um bebé. A diferença é que um bebé é sempre um bebé e uma pessoa nasce bebé e vai eventualmente ser um adulto passando por todas as fases em que os Pais têm que estar presentes e não desistir e investir tudo de si, mesmo quando acham que não têm mais para dar.
Porque, a meu ver, o problema é mesmo esse: os pais acham que não têm nada para dar a não ser coisas. E um dia quando esses bebés crescerem vão precisar não das coisas mas do que não são coisas. Por exemplo, que em vez de tentarem consigam. Consigam compreender a  linguagem dos seus filhos e perceber que um bebé/criança/adolescente é um adulto em potência e será aquilo que os Pais fizerem dele.

Um filho nasce bebé mas é uma pessoa. Não é um bebé para sempre.Não vai ser sempre "o seu bebé".  Vai ser sempre o seu filho que nasceu bebé, cresceu e se tornará (tornou) num adulto. Como nos aconteceu a nós, pais.

O que queremos para os nossos filhos? que tipo de adultos queremos que eles sejam? 

Porque é que a maioria dos pais não pensa nisto?


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